segunda-feira, 12 de maio de 2008

Disputa pela falência

Apesar do caos no futebol e no setor financeiro, instituição Santa Cruz é alvo de muita cobiça. Por que será?

José Gustavo
Da equipe do Diario


Ao longo dos seus 94 anos, o Santa Cruz nunca viveu um momento tão delicado. Se dentro de campo as coisas estão muito mal, fora dele a situação política do clube é um verdadeiro caos. É nítido neste caso, como na maioria das crises dos três grandes clubes da capital pernambucana e os grandes do Brasil, que os resultados no futebol interferem, diretamente, na política tricolor.

Em dezembro de 2006, o Santa Cruz viveu seu auge político. Pela primeira vez, em toda sua história, um grupo de oposição - bancado por uma esmagadora maioria de torcedores - elegeu um presidente executivo. Edson Nogueira chegou à presidência nos braços da massa coral. Três meses depois, ao terminar o Pernambucano/2007 na sexta posição, o presidente já ouvia seu nome xingado nas arquibancadas.

O acúmulo de resultados negativos afastou os torcedores e também os aliados políticos. O grupo que lhe dava sustentação agora faz oposição ferrenha. O vice-presidente executivo, Fred Arruda se licenciou do cargo. A oposição já pediu a renúncia, tentou o impeachment e, agora, na terça-feira (13) vai realizar uma inédita assembléia geral de sócios para tentar destituir o presidente Edson Nogueira.

Na parte financeira, o clube é praticamente impossível de se administrar pois as receitas, hoje, são mínimas. O Santa Cruz vive quase sempre de esmolas. Um empréstimo aqui, uma ajuda financeira ali e assim vai. Engana-se quem pensa que a maior dificuldade são as dívidas trabalhistas. Pelo contrário. Esse dinheiro já está garantido no acordo com a Justiça do Trabalho de 20% de todo o arrecado.

Os maiores problemas são mesmo as coisas miúdas, ou seja, o dia-a-dia. Às vezes falta dinheiro para comprar medicamentos, passagens, óleo disel. A energia do clube vem de geradores alugados. A maioria das receitas está bloqueada. Os patrocínios fixos (prismas, publicidade nos uniformes) foram todos permutados e não trazem dinheiro efetivo para o clube. Ou seja, o Santa Cruz tem um déficit mensal de aproximadamente R$ 118 mil.

O Diario resolveu fazer diferente. Mostrou essa conjuntura política e econômica em que o clube está inserido e pediu para dois especialistas tercerem uma rápida análise do futuro do Santa Cruz Futebol Clube. O resultado está nas próximas duas páginas. Afinal, o que faz tantas pessoas, além da paixão, brigarem tanto por uma estrutura falida?

Missão impossível para qualquer administrador
Por Josué Mussalém*

O filme "Missão Impossível" bem que poderia ser dedicado ao Santa Cruz no que diz respeito à administração daquele clube futebolístico. Só que o enredo deveria mudar para que, ao contrário do resultado da película, no final o administrador voltado para a tal "missão" reconhecesse que perdeu o jogo.

Com uma receita bruta de R$ 168 mil e uma despesa fixa da ordem de R$ 286 mil, o velho e tradicional clube tricolor, conhecido como o mais popular dos grandes times pernambucanos, está gerando um déficit mensal de caixa da ordem de R$ 118 mil. O que mais impressiona é a reduzida receita oriunda das mensalidades dos sócios (R$ 45.000,00), enquanto que a receita proveniente do conselho deliberativo só rende R$ 46.384,00 por trimestre. Este fato indica uma inadimplência elevada justamente na área em que se deveria iniciar um processo de recuperação das finanças do clube. Essa inadimplência elevada pode ter como ponto focal as constantes derrotas do Santa Cruz nos jogos e sua descida para a terceira divisão.

A questão que se coloca quando se analisa a situação financeira desse clube tão, querido e popular, é a do investimento. Na verdade, um clube de futebol deveria funcionar como uma empresa com orçamento bem definido, fluxo de caixa positivo, garantia das fontes de recursos e transparência corporativa nos gastos. Um clube de futebol não vive apenas de jogos, mas dos investimentos que realiza, seja na equipe de atletas, seja no mercado financeiro ou no patrocínio institucional.

Portanto o futuro do Santa Cruz vai depender de uma gigantesca mobilização que deveria envolver não só dirigentes mas, e principalmente, seus associados. O caminho crítico para a reversão do quadro falimentar do Clube passa por: 1. Reestruturação administrativa - financeira do clube; 2. Criação de mecanismos modernos de orçamento e fluxo de caixa; 3. Campanha para recuperar o quadro associativo; 4. Elaboração de projetos que possam obter recursos financeiros através da nova legislação federal de incentivos aos esportes.

Em resumo, o Santa Cruz precisa mudar rapidamente para tentar reverter esse quadro financeiro sombrio. Deve-se olhar com atenção para os exemplos dos clubes de futebol da Europa, notadamente os da Espanha e da Itália, os quais funcionam como grandes e lucrativas empresas.

Na realidade a missão impossível tratada aqui se for encarada de forma eficaz e por uma equipe de dirigentes e especialistas com vontade e determinação, poderá ser revertida. Se o Santa Cruz voltar à primeira divisão, o futebol pernambucano tornar-se-á mais disputado e também mais alegre. Vale a pena tentar.

Apaixonada torcida tricolor é o maior patrimônio do clube

Santa Cruz Futebol Clube
Endereço: Avenida Beberibe, nº 1285 - Arruda - Recife/PE
Fundação: 3 de fevereiro de 1914
Estádio: José do Rego Maciel (Arruda)
Capacidade: 60.044 torcedores

*É economista

Geografia política

Dez grupos, mesmo sem terem uma definição organizada, lutam pelo espaço no clube. Alguns com atuações regulares outros de forma esporádica.

Atual diretoria

Capitaneado pelo presidente Edson Nogueira e pelo presidente do Conselho Deliberativo, Alexandre Ferrer. Em sua base de sustentação estão alguns principais diretores do clube. Entre eles: Eduardo Lopes (Jurídico), Jomar Rocha, Constantino Júnior e Sylvio Belém (futebol).

Rodolpho Aguiar

Ex-presidente, que faz parte da velha guarda tricolor, ou seja, a ala mais histórica do clube. Tem muita voz e participação nas decisões políticas no clube. Foi um responsáveis pela eleição de Edson Nogueira e traz com ele alguns ex-presidentes. Está na base de sustentação da atual diretoria.

Alexandre Mirinda

Já teve mais força dentro do Santa Cruz. Apoiou Edson Nogueira na eleição passada. É escutado, mas por sua posição independente não tem muita interferência na conjuntura política do clube. Tem como propósito a renovação dos quadros.

Ninho das Cobras

Foi o principal grupo de sustentação para a eleição de Edson Nogueira. Depois de fazer o presidente rachou completamente. Hoje, boa parte dos seus membros estão na oposição. É liderado pelo jornalista Fernando Veloso, principal articulador para a destituição do atual presidente.

João Caixero

O maior de todos os caciques do clube. Consegue transitar em todas as alas, apesar de ressalvas de alguns grupos e do repúdio de boa parte dos torcedores. Tem muita força política. Já ocupou todos os principais cargos no clube, incluindo a presidência do executivo. Apesar de cooperar, não está na base de sustentação da atual diretoria.

Romerito Jatobá

Junto com o ex-presidente José Neves Filho faz parte de um dos grupos de oposição à atual gestão. Conhecedor profundo da parte administrativa e financeira do clube, o ex-presidente terá muita força na eleição de dezembro, apesar de ter saído do clube com um forte índice de rejeição por parte dos torcedores.

Fred Arruda

Atual vice-presidente do clube. Está afastado por incompatibilidadeadministrativa com Edson Nogueira. É apontado com uma das grandes lideranças da nova geração. Aparece como um dos ícones da oposição e tem o apoio de alguns grupos de torcedores como a ATASC, o Veneno Coral e o Blog do Santinha.

Muda Santa Cruz

É uma espécie de PSTU do Santa Cruz. Grupo que faz muito barulho, busca bastante espaço na mídia, porém, tem pouquíssima atuação efetiva na vida política do clube. Aparece sempre nos meses que antecedem as eleições.

Inferno Coral

Principal torcida organizada do Santa Cruz. Com cerca de 20 mil componentes, eles têm uma forma significativa em alguns rumos políticos do clube. Por isso, os grupos políticos se desdobram para ganhar a simpatia da organizada. O apoio deles é sempre levado em conta para a eleição e sustentação de quem esteja no poder.

Independentes

Alguns ex-presidentes podem ser enquadrados neste grupo. Entre eles: Antônio Luis Neto, Jonas Alvarenga e José Mendonça, que está bastante afastado do Santa Cruz, mas tem alguns tricolores influentes que flutuam ao seu lado. Outro destaque dos independentes é José Alberto Lisboa, candidato derrotado na eleição passada e que tem um projeto pessoal para o clube.

O Santa Cruz tem jeito?
Por Gustavo Krause *

Eu me recuso a fazer o "varejo analítico" ou a fulanizar questões. Muito menos vou especular as razões pelas quais um cidadão deseja dirigir uma massa falida. Em se tratando de clubes prefiro optar pelos impulsos da paixão. Os fatos posteriores vão confirmar ou desistir. De outra parte, a experiência que tive no Náutico foi assim. Acudiram o clube em nome da paixão. Depois de salvo... Aí, é natural, surgem novos interesses (legítimos e ilegítimos).

Também não dá para cair no lugar comum de "deixar as vaidades de lado, sentar numa mesa e unir todo mundo". Isto é irreal. As sociedades em crise que dela saíram pacificamente construíram pactos, alianças que somente se constroem entre adversários e, até mesmo, inimigos. Depois, cada um passa a exercer o seu papel.

Outro lugar comum é usar a etimologia da palavra crise para ressaltar a banda boa da oportunidade. Isto, a despeito de lugar comum, é real. Mas oportunidade se constrói. Não é uma dádiva. E é preciso muitaforça. Os clubes brasileiros quando caem de divisão simplesmente mergulham num pântano. Ou entram numa prisão de segurança máxima.

Nós (imprensa, líderes esportivos, autoridades, cidadãos) temos que olhar para além do próprio umbigo. Os fatores que afetam gravemente o futebol brasileiro estão, em grande medida, situados fora do campo. No campo da política esportiva; do acesso ao poder que permite a manutenção de longevas oligarquias (só perdem para Fidel Castro). A CBF será dirigida pelo mesmo homem até 2016. Será que isto não é relevante? Será que isto não merece um mínimo de atenção por parte dos que fazem a imprensa? Ou a briga de Romerito com Edinho, de não-sei-quem com não-sei-quem é o único foco da questão? Precede a geopolítica da questão local a geopolítica nacional, a política das competições que, insisto, são desagregadoras.

Desculpem se me estendi, mas é um pequeno desabafo de quem não se conforma com os rumos do futebol brasileiro e mais: quem viu de perto, no Congresso Nacional, como Deputado,a atuação da bancada da bola, a mais reacionária, a mais cínica de todas as bancadas.

*É ex-Ministro e advogado

Geografia Econômica

Funcionários

Administrativos 61

Folha R$ 31 mil

Futebol 26 Atletas + 14 da comissão técnica*

Folha R$ 175 mil*

*Até o final do Campeonato Pernambucano

Futebol Amador Atletas + Comissão

Folha R$ 20.5 mil

Total R$ 226.5 mil

Receitas Variáveis

Conselho Deliberativo R$ 46.384,00 (Janeiro/Março)

Sócios R$ 45 mil (média por mês)

Renda dos jogos deficitária

Todos com a Nota R$ 430 mil em quatro cotas*

*Isso se todos os bilhetes fossem reservados e trocados. A péssima campanha em campo não ajudou e, conseqüentemente, o dinheiro das cotas acabou sendo bem menor. A primeira cota rendeu R$ 62 mil; a segunda R$ 59 mil, a terceira apenas R$ 6 mil e a última ainda não entrou nos cofres do clube. Assim, as três cotas iniciais renderam apenas R$ 127 mil.

Patrocínio

Masterboi R$ 6 mil em permuta de carnes e frios

Minasgás Comprou e adaptou o novo ônibus do clube para a Série C*

Frevo Forneceu os dois placares eletrônicos**

Carol Sports Material gráfico

Shineray permuta

Prismas permuta

*Previsto para chegar em junho

**Previsto para instalar em junho

Despesas fixas semanais R$ 13.395,00*

*Passagem; Óléo Disel, Medicamentos, Material de Limpeza, Lavanderia, Aluguel de gerador, outros#

Despesas fixas mensais R$ 59.470,00*

*Passagem; Óléo Disel, Medicamentos, Material de Limpeza, Lavanderia, Aluguel de gerador, outros#

PS: Não foram colocadas as despesas com o pagamento dos 20% do acordo com a Justiça do Trabalho.

Total de Receita R$ 168 mil

Total de Despesas R$ 286 mil

Deficit R$ 118 mil

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