segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Sobreviventes do Arruda


O drama dos funcionários comove até o mais duro coração. Eles pagam pela incompetência da direção e do futebol, que teve menos de 6 meses de ação. Amanhã, o amor e o sofrimento da torcida. João de Andrade Neto

jneto@jc.com.br

Sofrer em dobro. Pelo clube do coração e pelo bolso vazio. Essa vem sendo a rotina dos 112 funcionários do Santa Cruz, que há três anos convivem com atrasos de salários. Atualmente, já são nove meses sem receber a remuneração devida. Fora 13º salário e férias. São as maiores vítimas do gravíssimo caos administrativo coral. Se o torcedor comum chora a eliminação da Série C, esses trabalhadores sofrem por, muitas vezes, não conseguirem levar comida para casa. A dívida com os funcionários chega a R$ 700 mil.

Ao chegar no casebre de dois cômodos, localizado em uma viela do Alto do Pascoal, no Zona Norte do Recife, onde o auxiliar de serviços gerais José Ferreira da Silva mora com a esposa e cinco filhos, é possível ter noção das dificuldades.

No telhado, há uma bandeira do Santa Cruz, prova que o orgulho de ser tricolor não morreu. O problema é a fome. E a escuridão, pois há muito a energia foi cortada. Já são 12 contas sem pagamento.

No dia em que a equipe do Jornal do Commercio visitou os Ferreira, José, o único membro da família “empregado” mostrou a despensa vazia e o pouco que tinha para alimentar a família: um punhado de arroz em uma sacola de supermercado. “O dinheiro que recebo para a passagem (R$ 3,50 por dia) eu uso para comprar o pão. Vou andando todos os dias para o Arruda. Muitos fazem o mesmo”, revela o auxiliar, que caminha aproximadamente uma hora e vinte minutos para ir e voltar do local de trabalho.

“Já passamos necessidade várias vezes. Já levei meus cinco filhos para a porta do Arruda para pedir algum auxílio. Ninguém ajudou. Estamos morando aqui porque minha mãe cedeu a casa. Antes ficávamos pulando de casa em casa porque não tínhamos dinheiro para pagar o aluguel”, conta a dona de casa Vilma Maria da Silva, esposa de José.

Com tanta desilusão, já foram vários os pedidos da família para que José largasse o Santa Cruz e procurasse uma ocupação em outro local. O desejo esbarra em um misto de resignação e esperança. “O problema é ele perder o que tem para receber. Resta esperar por uma melhora”, diz Vilma.

José é funcionário com carteira assinada no Santa Cruz há 22 anos, metade do que tem de idade.

Assim como José, a dupla de irmãos Eciélio e Djalma Felipe Santiago, conhece a fundo o Santa. Para ser mais preciso desde 1966. São os funcionários mais antigos do clube. De um tempo em que o clube pagava em dia. Com conhecimento de causa, garantem que nunca presenciaram tamanha penúria. “Esse é o pior momento do Santa, mesmo assim não consigo ficar muito tempo em casa. É triste ver o clube assim, fechado”, lamenta Eciélio, conhecido como Mago, 63 anos, auxiliar geral.

Contido nessa rotina de viver mais tempo no clube do que em casa podem estar muitos fatores. Mas um deles, com certeza, é a preocupação de arrumar, de alguma maneira, algum dinheiro para a família. Sem salário e perspectivas de melhora para muitos o que resta é contar com a boa vontade de alguns tricolores.

“Me deram três dias de folga, mas o que eu vou fazer em casa? Prefiro estar no Arruda e esperar para ver se aparece algum serviço extra ou se alguém para nos ajudar. Ramon, Zé do Carmo e Luciano Veloso (ex-jogadores do Santa) são alguns que sempre ajudam”, conta Djalma, encarregado por cuidar do gramado do Arruda.

Foi assim que José Ferreira conseguiu R$ 6 no dia em que a reportagem do JC esteve no abandonado Arruda. O bem-feitor da vez foi o meia Juninho, que passou no clube para acertar detalhes da sua rescisão de contrato.

E assim esses sobreviventes vão tentando levar a vida. Esperando por dias melhores. Para o Santa Cruz e para a família, já que muitas vezes ambos se confundem.

Futebol teve só 162 dias de ação

Assistir a um jogo do Santa Cruz foi algo raro para o torcedor coral em 2008. A despedida da Série C ontem contra o Salgueiro foi só a 36ª partida do tricolor na temporada – desde que começou a disputar o Campeonato Brasileiro, em 1971, o time não disputava tão poucos jogos num ano. A título de comparação, as Séries A e B do Campeonato Brasileiro possuem 38 rodadas.

Foram só 162 dias envolvido com uma competição oficial, o que dá pouco mais de cinco meses de atividade no ano. Algo impensável para um clube que leva futebol até no nome. Os rivais Sport e Náutico terão 72 e 69 compromissos, respectivamente, até o fim do ano.

Sem jogos, sem receitas – já que a administração do clube adota essa “lógica ilógica” nos últimos 20 anos como foi mostrado na última sexta-feira nesta série. Com dois grandes hiatos na temporada (de abril a julho e de setembro a janeiro de 2009), o já combalido cofre do Santa sofre com perda de rendas, arrecadação com bar e diminuição no número de sócios.

Além disso, as poucas receitas de patrocinadores já foram adiantadas. “No dia em que Edinho (presidente do clube) anunciou a antecipação da eleição, o clube teve uma arrecadação de apenas R$ 90, por exemplo”, revelou o superintendente tricolor Luís Cláudio.

Para tentar sanar um pouco o prejuízo e levar o clube até o término da atual administração, a diretoria determinou, há duas semanas, o funcionamento da sede em apenas meio expediente, tática já utilizada no intervalo de 77 dias entre o Pernambucano e a Série C. Nos sábados e domingos, o clube ficará fechado.

Para se ter uma idéia do prejuízo, em um dia normal é necessário aproximadamente R$ 1.150 para o funcionamento do tricolor. “Com um clube do tamanho do Santa é impensável passar tantos dias sem jogos oficiais. Sinceramente não sei como o clube vai se virar até a eleição. Muitas vezes é preciso Edinho e outros diretores pagarem do próprio bolso”, diz Luís Cláudio.

Para piorar, em nenhuma das 18 partidas disputadas no Arruda este ano, o Santa Cruz pôde contar com boas rendas. Por força do esdrúxulo regulamento do Campeonato Pernambucano, o tricolor não jogou clássicos contra Sport e Náutico. “Na Série C, cada ingresso nosso custava R$ 3,50, mas para o clube, descontado o acordo com a Justiça, sobrava pouco menos de R$ 2 por bilhete trocado. É impossível fazer futebol assim. Não tivemos uma só renda que nos garantisse a semana tranqüila”, revelou o dirigente. A maior renda do Santa no ano foi no jogo contra o Central, pelo 2ª rodada da Série C. R$ 53.642,78 líquidos.

Para o especialista em marketing esportivo, José Carlos Brunoro, que trabalhou no tricolor em 1995, o clube tem que ser reestruturado. “Qualquer empresa quebraria com esse tempo de inatividade. É preciso aproveitar esses meses parados para repensar o clube”, destaca.

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