segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Vinte anos de pesadelos


Maior torcida do Estado até a década de 80, o Santa Cruz vem diminuindo. A perda de espaço para os rivais Sport e Náutico em número de torcedores é reflexo não apenas da falta de modernização do clube ou da falta de estrutura. Está diretamente ligada à ausência de títulos e de ídolos. Foram apenas quatro estaduais nos últimos 20 anos. E quatro desastrosas participações em Nacionais. A série A cruz do Santa lembra isso e a perda de jogadores de graça. Amanhã, a crise atinge os funcionários do clube e pára futebol por mais de 6 meses.

Carlyle Paes Barreto

carlyle@jc.com.br

Até a década de 80, o Santa Cruz não era apenas conhecido por conta do Colosso do Arruda. Um gigante também dentro de campo. Então com a maior torcida do Estado, era o clube que melhor trabalhava as categorias de base e quem mais levava público aos estádios, além de demonstrar potencial em formar times que sempre chegavam às decisões. Mas uma crise que começou ainda nos anos 70, e que foi crescendo, passou a ter reflexo nos gramados a partir de 1988. De lá para cá, o tricolor diminuiu. E deu poucas glórias ao povão.

Após o hexacampeonato do rival Náutico (63-68), o Santa Cruz se uniu, idealizou um colegiado e apostou nas crias formadas no próprio clube. O resultado foi o pentacampeonato de 1969 a 73 e as boas campanhas nos Campeonatos Brasileiros de 75 (quarto colocado), 77 (décimo) e 78 (quinto). Sem falar nas revelações como Givanildo, Luciano Veloso, Fernando Santana e Ramon – único artilheiro de um Brasileiro atuando por um time pernambucano, em 73.

Mas os cardeais tricolores foram embora. O colegiado acabou. E a crise financeira começou a assolar o clube, que já não conseguia suportar os gastos com o estádio e com os jogadores. Ano após ano, o buraco foi crescendo. E nenhum dirigente mudou a forma de gestão. Em 84, o então presidente Aristófanes de Andrade renunciou. O primeiro na história tricolor. Assumia Zé Neves, um conselheiro que ganhou visibilidade pelo modo populista como se comunicava com a torcida.

E Zé Neves conseguiu o bicampeonato em 86 e 87, com o goleiro Birigüi, o volante Zé do Carmo, os meias Ataíde e Sérgio China, além dos atacantes Edson, Marlon, Dadinho e Gílson Gênio. Também colocou o clube na Copa União, vendida como a primeira divisão do futebol brasileiro. Mas o dirigente conseguiu os títulos sem planejamento. O rombo só fez crescer, apesar das taças.

E depois das épicas voltas olímpicas, ambas na Ilha, com direito a bandeira fincada no centro do gramado leonino, veio a derrocada. Não de uma vez. Em doses pequenas que estão sendo sentidas até hoje. Desde então, o Santa voltou à elite nacional quatro vezes. E em todas decepcionou (ver quadro ao lado). Ficou nas últimas posições em todas as oportunidades – 1988, 2000, 2001 e 2006. Desceu quando houve rebaixamento (88, 2001 e 2006). E até em nível local, involuiu. Foram somente quatro taças (90, 93, 95 e 2005). Nos dois últimos anos, pífias campanhas. Sexto colocado, em 2007, e sétimo, neste ano, correndo risco até de cair para a Segundona Estadual.

Zé Neves, no entanto, discorda da tese de crise contínua. “Já está provado que quando o futebol está embalado, o clube também vai bem. Em 2006, estava tudo bem no clube. Mas bastou Lecheva perder o pênalti na final do Pernambucano daquele ano diante do Sport para a situação complicar e o clube descer ladeira abaixo”, diz o ex-presidente, responsabilizando o jogador por tudo o que está aí.

Ele, no entanto, admite que não há uma seqüência de modelo de gestão no Santa.

Jogadores perdidos por negligência

Mesmo com a ausência de títulos, em meio a uma crise que parece sem fim, o Santa Cruz conseguiu revelar bons jogadores. E sem um Centro de Treinamento ou mesmo um campo auxiliar para trabalhar os futuros craques tricolores. Mas aí vem o outro lado do descaso dos dirigentes corais: a perda dos direitos federativos desses talentos por pura negligência.

E não foram casos isolados. O tricolor deixou escapar mais de um time de suas fileiras. Jogadores que estavam no auge de suas formas, que eram titulares e poderiam ter rendido alguns milhões de reais aos sangrados cofres do clube.

Jogadores como os zagueiros Bebeto, Rovérsio, Hugo e Valnei, os meias Kássio, Marcelinho e Ricardinho, ou os atacantes Romarinho e, por último, Thiago Capixaba, entre os mais conhecidos.

Todos deixaram o Santa Cruz pela falta de pagamento de salários ou depósito das obrigações sociais, como o FGTS. Numa conta rápida, de empresários ouvidos pelo JC, estimaram um prejuízo que beira os R$ 10 milhões.

Somente Kássio, que passou seis anos no Arruda e deixou o que era sua segunda casa na época, após ter passado sete meses sem receber ajuda de custo, em 2006, tem hoje os direitos avaliados em R$ 4 milhões. “Eu cresci no Santa Cruz. Era perto da minha casa. Foi lá que comecei a minha carreira, mas não dava mais para ficar”, recorda o jogador, agora titular do Sport. “Ganhava apenas ajuda de custo, mas eles (a diretoria) deixaram de pagar”, acrescentou.

O pior é que em quase todos os casos, o tricolor não tentou reaver o seu patrimônio. Kássio foi um deles. O então presidente Romerito Jatobá deixou para lá.

E outros dirigentes fizeram o mesmo. Valnei chegou a ir para o Flamengo. Bebeto foi para o Palmeiras, assim como Thiago Capixaba. Hugo acertou com o Vasco. Jaílson rodou o mundo e hoje está no Coritiba. Retorno zero para o clube revelador.

Nas últimas duas décadas, o Santa Cruz conseguiu arrecadar pouco dinheiro com a negociação de jogadores. Apenas dois atletas formados no clube deram retorno financeiro. O primeiro foi o atacante Maurício Pantera, negociado em 1997 ao Compostela, da Espanha, por US$ 1,5 milhão. O outro foi Carlinhos Bala, que rendeu R$ 1 milhão em 2006, quando trocou o Arruda pelo Cruzeiro.

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