quinta-feira, 4 de setembro de 2008
Tristeza e tragédia em três cores
O Santa chegou aonde não imaginava: excluído da Série C do Brasileiro. A vitória do Caxias sobre o Brasil-RS, ontem, foi o último golpe – as últimas três temporadas foram de quedas seguidas. Agora, terá de obter um bom rendimento no Pernambucano de 2009 para disputar a recém-criada Série D. De hoje até a próxima quarta-feira, o JC publica a série de reportagens A cruz do Santa que analisa o desastre e abre discussão sobre os caminhos a serem trilhados pelo clube. O primeiro dia trata da gestão Edinho e a cronologia da pior fase em 94 anos de fundação. Amanhã, o modelo de administração – adotado por muitos presidentes – que afundou o Santa.
Marcos Leandro
mleandro@jc.com.br
Rafael Carvalheira
rvieira@jc.com.br
Reduzir toda a culpa da crise do Santa Cruz ao presidente Edson Nogueira, Edinho, é minimizar a história recente do clube, que nos últimos 20 anos só conquistou quatro títulos estaduais – 1990/93/95/2005 – e não conseguiu se segurar na Primeira Divisão do Campeonato Brasileiro nas duas vezes em que obteve o acesso em 1999 e 2005. Tudo isso reflexo de más gestões administrativas.
No entanto, Edinho, que em dezembro de 2006 assumiu a presidência nos braços do povo em uma eleição histórica, na qual derrotou o candidato da situação, Alberto Lisboa, apoiado pelo grupo do então presidente Romerito Jatobá, é crucificado pela torcida como o principal responsável pelo colapso que vive o clube. De fato, Edinho assumiu sua grande parcela de culpa por seus quase dois anos de fracassos e quedas.
Chegou ao poder dizendo que era um vencedor. Em meio a inúmeras frases de efeito, afirmou que “entre mais de um milhão de espermatozóides, fui o único a fecundar”. Mas a situação não permitia brincadeiras. Levou, logo de cara, o primeiro golpe. Anunciou Evaristo de Macedo, um companheiro antigo, como novo treinador. Evaristo recusou a proposta. Veio então Givanildo Oliveira, que ainda no Estadual foi para o Vitória-BA. No seu lugar assumiu Charles Muniz, que levou o clube à sexta colocação no Campeonato Pernambucano.
Ao passo que os resultados não davam certo dentro de campo na Série B, Edinho sofria outras derrotas. O vice-presidente, Fred Arruda pediu licença do cargo alegando centralização de poder por parte do presidente. Curiosamente, o mesmo discurso adotado por Edinho ao deixar o clube em 2005, quando era vice de Romerito. Outros diretores, como Sylvio Belém, foram e voltaram.
Essa turbulência nos bastidores fez com que a política do clube muitas vezes tomasse o espaço e a preocupação que deveriam ser destinados ao time dentro de campo, acumulando uma péssima campanha na Segundona. A queda era uma ameaça latente.
Mesmo contrariando a torcida, Edinho manteve Charles Muniz no comando do time até a 12ª rodada. Para o lugar dele, veio Mauro Fernandes. A troca foi um desastre. Sem vitórias, Mauro abandonou o Santa praticamente rebaixado. No desespero, o zagueiro Adriano comandou o time na derrota para o Criciúma, pondo os corais na Série C. Para desviar o foco do fracasso, Edinho ofereceu denúncia de uma suposta nova máfia do apito. Até agora, sem repercussão.
Virou o ano e em 2008 esperava-se uma reação. A Federação Pernambucana de Futebol (FPF) deu uma “mãozinha” ao arquitetar um regulamento que evitava o confronto com os rivais Sport e Náutico, integrantes da elite do Brasileiro.
Edinho firmou parceira com Ricardo Rocha, ex-zagueiro do clube e agente de atletas. Zé do Carmo, outro ídolo, foi colocado como treinador, mesmo com a rejeição da maioria. Zé do Carmo não terminou o primeiro turno, assim como a sociedade com Ricardo Rocha. Demitido após derrotas para Ypiranga e Central, Zé deu lugar a Fito Neves. A substituição não salvou o Santa do hexagonal da morte, que rebaixaria duas equipes para a Segundona Estadual em 2009, “punição” da qual o Santa escapou.
O novo vexame no Pernambucano fez florescer rixas entre grupos políticos. Liderados pelo conselheiro Fernando Veloso, o Veneno Coral pediu a cassação de Edson Nogueira. Após batalhas de liminares, ficou tudo no mais do mesmo. Edinho continuou e começou a montar, com um desmotivado Fito Neves, o time para a disputa da Série C. Contratou alguns destaques de times do interior do Estado e apostou em indicações do futebol paraibano, mais precisamente do Treze-PB, vice-campeão estadual.
O time não se acertou. Mesmo com o apoio irrestrito da torcida, no Arruda e fora de casa. Bagé, ex-Icasa-CE, chegou para o lugar de Fito Neves e classificou o time à segunda fase. Mas, com um jejum de sete jogos sem vitória, o Santa está eliminado do Campeonato Brasileiro, pela primeira vez – para disputar a Série D deverá ficar entre os melhores do Pernambucano 2009.
“Desligava o rádio para não escutar”
Eleito como “salvador-da-pátria”, Edson Domingues Nogueira assume a culpa pelo caos em que o Santa está hoje e diz que passará a real situação ao sucessor.
JC – O senhor errou?
EDINHO – Todas as falhas fui eu que cometi, o regime é presidencialista. Se houve acertos, foram de todos. As falhas são exclusivas do presidente. Não posso estar fazendo caça às bruxas, dizer que toda esta situação vem de décadas. Não, não, não, não...Quando alguém assume um cargo desse, sabe de tudo.
JC – Como o sucessor vai encontrar o clube?
EDINHO – Em seriíssimas dificuldades. E vai ser tudo passado de forma clara. A situação do clube é realmente ruim. Mas, se houver um consenso, porque união é balela, é possível torná-lo viável novamente.
JC – O senhor aconselharia um amigo a ocupar o cargo?
EDINHO – Desde que viesse disposto a ouvir todas as partes e sofrer várias decepções. Todo mundo sabe que vou para todo lugar, ando sempre só e com a consciência tranqüila. Tenho certeza de que fiz o melhor. Não foi o melhor em termos de resultados. Mas procurei dignificar o cargo. Infelizmente, serei avaliado pelos resultados.
JC – A sua relação com pessoas próximas mudou por conta da crise?
EDINHO – Muda porque obviamente cada um tem o seu ponto de vista. Quem vive em coletividade convive com a discórdia e a divergência. Mas isso eu respeito. Nunca houve aqui, sob momento nenhum, falta de respeito às pessoas. Houve os desencontros e vão continuar havendo. São problemas corriqueiros e que acontecem até mesmo nas nossas casas.
JC – Com, pelo menos, oito possíveis candidatos, o processo eleitoral começa mal para um consenso?
EDINHO – Pior do que isso era a Espanha. A Espanha hoje é uma potência. Lá, não houve unanimidade, mas houve o consenso. Saiu da ditadura e atualmente é essa força. Espero que no Santa Cruz, pela sua grandeza, pela sua pujança, as pessoas, no mínimo, ajudem o clube, independentemente de gostarem ou não do próximo presidente.
JC – Como será conduzida a transferência do cargo, inclusive com os vários documentos perdidos?
EDINHO – Tudo aparece. Quando existe a boa vontade e a dignidade, não há nada para esconder. A notícia mal dada pode virar sensacionalismo. Notícia dada com verdade é feito estou dizendo. O clube atravessa situação difícil, de arrumar passagens de volta para os atletas, de honrar os compromissos com os funcionários, de comprar o diesel para o gerador. Tenho de mostrar para tentarem resolver.
JC – O senhor teme uma auditoria em sua administração?
EDINHO – Não vou pedir auditoria, nem ninguém vai pedir isso. Há uma auditoria feita na nossa gestão. O encarregado disso é inclusive da Receita Federal, que é Jomar Rocha (diretor de futebol). Quer maior lisura do que isso? O máximo de facilidade vou repassar.
JC – Como se comportou o torcedor Édson Nogueira nas derrotas?
EDINHO – Choro, rio, brinco, tenho sensibilidade, sou normalíssimo. Óbvio que não me sentia bem. Nos jogos em que ficava ouvindo, meu Deus do Céu, pensava que as transmissões iam me matar. Começava numa rádio, mudava para outra. Depois não conseguia mais e desligava.
JC – O Santa volta para a Série A?
EDINHO – Volta. Mas não será fácil.
JC – Com Édson Nogueira?
EDINHO – Deixa a juventude vir. Entendo que não sou muito acessível. Tenho meus conceitos. Você não colabora e quer mandar, não manda. Você não ajuda e liga dando pitaco, não vou ouvir. Sou assim mesmo. Você vem e participa, manda. Não vem e não participa, não manda.
Pênalti de Lecheva vira uma maldição
Certa vez, perguntado em entrevista pelo JC o que havia causado o rebaixamento do Santa Cruz da Série A para a B do Campeonato Brasileiro, no fim da temporada de 2006, o ex-presidente Romero Jatobá Filho – que concorrerá a eleição como vice de Antônio Luiz Neto, na chapa União de Verdade – disse que um dos grandes motivos foi o pênalti perdido pelo meia Lecheva, no dia 9 de abril daquele mesmo ano, na Ilha do Retiro, dando o título do Pernambucano ao Sport. A partir de então, os corais estariam condenados a viver uma sucessão de tragédias e provações.
Não sabia Romerito, na ocasião, que um pênalti perdido por um jogador tivesse tantos poderes sobrenaturais para seguir castigando dirigentes, jogadores e, sobretudo, os torcedores. O catastrófico desfecho é a eliminação do Brasileiro. Transformado em profecia e maldição, o lance de Lecheva, na verdade, contém uma representação de incompetência. Não de um mero erro esportivo. Mas serve como símbolo de mais uma desculpa encontrada para esconder equívocos e mais equívocos administrativos.
Afinal, seria no mínimo inocência debitar na conta de um pênalti perdido por um atleta profissional todas as amarguras de, pelo menos, dois anos e meio seguidos. O exemplo vem de perto. O próprio Náutico perdeu o Estadual de 1983 nos pênaltis para o Santa Cruz. Não sucumbiu. Nos dois anos seguintes, sagrou-se bicampeão pernambucano e ainda terminou na sexta colocação da edição de 1984 da Primeira Divisão do Campeonato Brasileiro.
Ou ainda a Itália, com Roberto Baggio. Em 1994, o meia, considerado um dos mais inteligentes jogadores de todos os tempos, errou feio o pênalti que concedeu o tetracampeonato mundial ao Brasil, nos Estados Unidos. Em 1998, foi a vez de sair nas quartas-de-final para a dona da casa França, novamente nas cobranças de penalidades. Ninguém baixou a cabeça ou deixou de classificar a seleção para as edições seguintes da competição. Em 2006, na Alemanha, veio o tetra...E nos pênaltis.
Para ficar apenas dentro de campo, desde aquela trágica noite na Ilha do Retiro, 160 jogadores vestiram a camisa do Santa Cruz em, pelo menos, uma partida oficial. Mais recentemente, no intervalo de dois meses e meio do Estadual para o Brasileiro, foram 22 contratações, na maioria “achados” nos clubes do interior de Pernambuco e da Paraíba. Muitos deles não atuaram mais que uma partida na Terceirona. Houve inclusive quem não conseguiu sequer estrear.
Treinadores também são um capítulo à parte. De Lecheva até hoje, 13 pessoas estiveram à frente do comando técnico coral, fosse de forma efetiva, fosse interinamente. Fito Neves, por exemplo, passou duas vezes pelo Santa nesse período sem obter sucesso. A primeira delas, durante a Série A de 2006, a outra, entre a segunda fase do primeiro turno do Estadual desta temporada e as três primeiras rodadas do Grupo 5 da primeira fase da Série C. Ao todo, foram cinco interinos e oito contratados.
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